Como ocorre o enquadramento sindical no caso das Fintechs?

Publicado em: 8 abril de 2022
Compartilhar:

Com a evolução tecnológica cada dia mais acelerada, as relações humanas e as formas de se relacionar, inclusive as comerciais e profissionais se transformaram e, atualmente, podem ser realizadas num simples toque na tela de um aparelho celular.

Com o setor bancário não foi diferente, originando assim as chamadas fintechs, expressão que mescla os conceitos de serviços financeiros (financial) e de tecnologia (technology). Mas como é comum no mundo do direito, as normas nem sempre acompanham a evolução em tempo real.

Assim, a principal indagação que visamos discutir diz respeito ao enquadramento sindical das fintechs e de seus respectivos empregados. Afinal, qual o conjunto de normas coletivas devem ser observadas e aplicadas nas relações de trabalho firmadas entre as fintechs e seus colaboradores?

Antes de entrarmos no tema propriamente dito, se faz necessário entendermos que o Brasil adota o modelo de unicidade sindical, ou seja, se adota um modelo de representação por categorias com consequente enquadramento automático dos representados, como se vê a partir da análise conjunta dos artigos 570 e 581, §§ 1º e 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho.

Ocorre que, muitas vezes não existe sindicato estabelecido no âmbito de representação de determinado grupo ou empregas, sobretudo no que diz respeito às novas categorias que vêm surgindo, como é o caso das fintechs, de modo que o enquadramento sindical se dê por similaridade conforme § 4º do artigo 511, da CLT.

É exatamente onde reside o cerne do tema trazido. Afinal, qual seria o enquadramento sindical das fintechs? Seriam as atividades realizadas por empresas similares ou conexas às atividades bancárias ou financeiras? Ou ainda por empresas ligadas ao ramo da tecnologia, ainda que aplicadas ao setor financeiro? 

Sob a ótica da Lei 4.595/1964 que dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias, são consideradas “instituições financeiras” a teor do disposto em seu artigo 17, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.

Em entendimento similar, sob a ótica do entendimento emanado pela Súmula 55 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), tem-se que “as empresas de crédito, financiamento ou investimento, também denominadas financeiras, equiparam-se aos estabelecimentos bancários para os efeitos do artigo 224 da CLT”.

Não obstante a equiparação das financeiras aos estabelecimentos bancários, o TST tem ainda, entendimento no sentido da equiparação dos empregados que trabalham no processamento de dados que presta serviço à bancos a função de bancário, conforme Súmula 239.

No entanto, embora existam entendimentos acerca de eventuais equiparações das instituições bancárias e ainda seus empregados, considerando o atual cenário das fintechs, não existem precedentes sobre o tema.

O entendimento do Poder Judiciário, nos poucos processos que envolvem o tema, os magistrados têm como premissa a avaliação efetiva da realidade da prestação do trabalho, bem como as características práticas das atividades exercidas no dia-a-dia de trabalho do empregado.

Tal entendimento carece de subsídios, o que acaba por ser prejudicial tanto ao empregador, como ao empregado. Existe a necessidade de uma avaliação específica de cada tipo de fintechs, bem como seu grupo de empregados, para que exista a possibilidade da definição de representação mais adequada a cada uma delas.

A título de exemplo, para que possamos entender tamanha complexidade, existem fintechs que operam como instituições de pagamento, crédito ou empréstimo, fintechs de gestão financeira, de crowdfunding, fintechs de investimentos de eficiência financeira, de seguros etc. Ou seja, dentro da própria categoria das fintechs, existem outras várias subcategorias, por assim dizer, o que acaba tornando ainda mais difícil eventual enquadramento sindical, dada as peculiaridades de cada tipo.

As várias modalidades de fintechs elencadas acima, já são circunstancias suficientes para demonstrar que não há uma regra padrão para eventual enquadramento sindical, na medida em que dentro de cada tipo de fintechs é possível que a atividade econômica desenvolvida varie a depender do tipo de instituição em análise.

Afinal, as fintechs são instituições financeiras ou empresas de tecnologia com operação financeira? Neste sentido é digna de nota a sentença proferida pelo Juízo da 4ª Vara do Trabalho de Anápolis/GO, que versa exatamente sobre isso:

“[…] Logo, do ponto de vista institucional e normativo a Reclamada não é banco, mas sim Instituição de Pagamento ou o que se convencionou chamar de FINTECH, cujo termo é resultado da junção das palavras ‘financial’ (financeiro) e ‘technology’ (tecnologia) – empresa que desenvolve inovações tecnológicas voltadas para o mercado financeiro, prestando serviços mais restritos que os bancos, mas sem a mesma garantia. Ou melhor, os bancos prestam todos os serviços de uma FINTECH, mas estas não prestam todos os serviços dos bancos.

[…]
O Direito Tutelar dos bancários teve origem histórica na complexidade dos controles bancários e na especificidade da contabilidade bancária, que era feita de forma manual, resultante em enorme desgaste físico e mental dos trabalhadores dos bancos e casas bancárias em razão da especial fidúcia que gozavam por parte dos banqueiros e enorme responsabilidade na guarda de recursos de terceiros, que hodiernamente não mais se justificam, ante a avançada tecnologia de controle e de apoio, sendo o setor bancário o mais avançado na informatização da economia, razão pela qual a aplicação de tais normas deve ser feita de forma restrita e não ampliativa, não se encontrando no serviço do Reclamante nenhuma similaridade com os bancários que ensejaram a criação do direito tutelar mencionado […]. (Grifado).

Neste sentido, as considerações acerca do tema são de que ainda que as atividades prestadas por fintechs se aproximem das atividades desempenhadas por instituições financeiras, estas merecerem o resguardo da possibilidade da celebração de Acordo Coletivo de Trabalho especifico a cada tipo de fintech.

É preciso analisar qual melhor atenda à realidade de sua atividade empresarial, sendo que na carência deste, deve ser observada pontualmente cada caso, a fim da análise de sua modalidade e dos serviços exercidos por seus colaboradores, de modo que merecem proteção especial, não podendo haver equiparação às condições restritas das bancárias, dadas as peculiaridades ora apresentadas.  

TEXTO: Gustavo Fonseca Monteiro (Advogado da Área Trabalhista e Previdenciária Empresarial da Tahech Advogados)