Com bases firmadas na ciência e tecnologia, o Agronegócio é o setor da economia brasileira que mais cresce, sendo responsável por grande parcela do PIB do país. Contudo, em que pese o crescimento exponencial do setor, isso não impede que intempéries atinjam os produtores, principalmente no que tange às dificuldades em investimento.
Assim, a fim de fomentar o Agronegócio e aumentar a disponibilidade de recursos aos produtores, foi criado o FIAGRO – Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais, criado pela Lei nº 14.130/2021, que inseriu diversos artigos na Lei 8.668/93. Os valores investidos no FIAGRO podem ser destinados a quaisquer ativos rurais, reais ou financeiros.
Mas o que se destaca são os ativos relacionados à imóveis rurais e, neste ponto, merece atenção especial a compra destes para fins de arrendamento. Nesta hipótese, os investidores do fundo tornam-se proprietários do imóvel rural e se revestem da condição de arrendador, recebendo periodicamente uma renda paga pelo arrendatário.
A lei que dispõe sobre o FIAGRO prevê a livre pactuação contratual, ou seja, que nestes contratos de arrendamento prevalecerá a autonomia da vontade das partes, tendo como única ressalva desta autonomia os casos de inadimplemento por parte do arrendatário. Neste caso, o artigo 20-A, §2º da Lei 8.668/93 prevê que a desocupação do imóvel deverá respeitar o término da safra, plantada à época do inadimplemento, respeitado o prazo mínimo de 6 (seis) meses e máximo de 1 (um) ano. Ocorre que tais previsões acabam por desconsiderar as legislações preexistentes sobre o tema e, principalmente, vão na contramão ao que estipula o Estatuto da Terra, Lei 4.504/64.
O Estatuto da Terra regula os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, além disso, importante mencionar ainda o Decreto 59.566/66, que regula os contratos agrários típicos, arrendamento e parceria rural. Tais legislações adotam um segmento protecionista aos arrendatários e preveem prazos que não são observados pela legislação que versa sobre o FIAGRO.
Veja-se, o Estatuto da Terra prevê, basicamente, prazos de três anos em caso de arrendamento para exploração de lavoura temporária ou pecuária de pequeno e médio portes, prazo de cinco anos em casos de exploração de lavoura permanente ou pecuária de grande porte e prazo de sete anos em caso de atividade de exploração florestal.
Tais prazos, tidos como vantagens, são direitos irrenunciáveis. Além disso, são irrenunciáveis as cláusulas em contratos de arrendamento tidas como de ordem pública, que versam sobre, além dos prazos, pagamento, preço, preferência do arrendatário, extinção e despejo. Ou seja, não há prevalência da livre pactuação, ao contrário do que sugere as inserções dadas pela Lei 14.130/2021.
Diante de todo o exposto, surge a questão: o FIAGRO quebra um paradigma existente, qual seja o Estatuto da Terra e suas previsões garantistas ou o Estatuto da Terra acaba por mitigar o FIAGRO? A questão é delicada e deve ser analisada caso a caso, não podendo uma legislação ser aplicada automaticamente e de forma geral em detrimento de outra, dada a densidade de normas e princípios que regem a atividade agrária, devendo ser observado, por exemplo, o porte do produtor e princípios como da Justiça Social.
Contudo, o que há de ser defendida, sob todo prisma, é justamente a tutela do produtor com a manutenção do Estatuto da Terra que, apesar da necessária atualização, o que pode ser tratado em artigo inteiramente dedicado ao tema, é de extrema importância ao setor do agronegócio, uma vez que efetiva justamente a função social da terra com a proteção dos produtores deste seguimento.
O que se conclui, portanto, é que, em que pese a inegável importância do FIAGRO, tendo em vista tratar-se de veículo para o fomento do setor que mais cresce no país, sua aplicação deve ser compatível com as leis e normas agrárias preexistentes, buscando-se, sobretudo, a guarda e proteção de direitos já alcançados pelos produtores agrícolas.
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Fontes:
Conjur – Fiagro vetos presidenciais.
Conjur – Fundos de investimento.
Art. 20-A, § 2º No arrendamento de imóvel rural pelos Fiagro, prevalecerão as condições livremente pactuadas no respectivo contrato, ressalvado que, na falta de pagamento dos valores devidos pelo arrendatário, eventual determinação judicial de desocupação coincidirá com o término da safra que esteja plantada na época do inadimplemento, quando aplicável, respeitado o prazo mínimo de 6 (seis) meses e máximo de 1 (um) ano. (Incluído pela Lei nº 14.130, de 2021).
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