Leia essa rotina e pense em tudo o que você também costuma fazer — e reflita: onde estão indo seus dados?
07h30min – O despertador do celular toca.
- O celular já registrou a qualidade do seu sono e seus batimentos via smartwatch.
- A previsão do tempo aparece na tela de bloqueio.
- O Google já sabe que você está acordado.
08h45min – O Google Maps ou Waze informa que o trajeto até o trabalho está mais lento que o normal.
- Ele sabe onde você mora, onde trabalha e sua rotina de horários. Sugere um caminho alternativo — e você aceita.
- Se você utiliza aplicativos de transporte, começam as notificações de “promoções”.
09h00min – Chegada ao prédio do escritório.
- Você usa identificação facial para entrar no prédio — e também para acessar salas internas.
- Câmeras de segurança ou o ponto eletrônico registram sua localização, seu rosto e horário de entrada.
11h45min – Você dá uma olhadinha rápida no Instagram.
- Um anúncio de carro de luxo aparece: você está no Cilla Tower, no bairro Cidade dos Lagos — o maior em desenvolvimento da cidade. Coincidência?
- Seus likes, localização e interações falaram por você.
12h00min – Hora do almoço. Fome bate. O app de delivery envia uma notificação com “Promoções para você e cupom de desconto”.
- O app sabe o que você gosta, o que costuma pedir, onde está e que horas costuma almoçar.
- Você faz o pedido e paga via cartão de crédito (previamente cadastrado) ou Pix, e neste caso, o banco valida a operação por meio da sua biometria facial.
- Seus dados bancários e de localização seguem juntos.
14h00min – Reunião por vídeo.
- Câmera, microfone, plataforma de videoconferência, agenda sincronizada, IA que resume a reunião… tudo passa por servidores externos.
- Seus dados circulam fora do país? Certamente.
16h00min – Elaboração de contrato para um novo cliente.
- Você preenche o documento com nome completo, CPF, endereço, telefone, e-mail, dados bancários e comerciais.
- O arquivo é salvo na nuvem ou enviado por e-mail.
- Alguém revisa online, faz comentários e assina eletronicamente.
- Tudo parece simples — mas por trás, há uma cadeia de coleta, armazenamento e tratamento de dados.
18h00min – Saída do trabalho.
- Check-out por reconhecimento facial. GPS ainda ativo.
- O Google já sugere o caminho de volta pra casa com base no trânsito em tempo real.
19h00min – Academia para aliviar o estresse.
- Você usa identificação facial para entrar na academia.
- Seu smartwatch registra frequência cardíaca, calorias gastas, passos e tempo de treino.
- O app da academia marca sua presença e registra seu histórico de atividades.
- O app de música sugere playlists como “Treino Pesado” ou “Cardio Motivação”. Ele sabe onde, quando e como você treina — e seu ritmo favorito.
- Antes mesmo de sair da academia, pipocam anúncios:
Roupas novas de treino.
Tênis “ideal para sua performance”.
Suplementos “perfeitos para seu objetivo”. - Seu corpo sua, e seus dados correm — direto para quem sabe o que te oferecer.
20h00min – Passada na farmácia para comprar um remédio para sua dor de cabeça.
- Você informa seu CPF na hora da compra para obter desconto.
- O sistema registra seu histórico de medicamentos.
- Suas compras são vinculadas ao seu perfil de consumo e saúde.
- Nos dias seguintes, chegam notificações com promoções de analgésicos e dicas de bem-estar no seu e-mail e nas redes.
21h00min – No sofá, assistindo a uma série no streaming.
- Baseado no que você assistiu, o sistema já sugere novas opções.
- Seus gostos, ritmo de consumo e até quando você pausa viram dados valiosos.
23h00 – Hora de dormir.
- O relógio inteligente inicia o monitoramento do sono.
- Dados sobre sua saúde são enviados para o app — e para a nuvem.
A verdade é que cada clique, cada trajeto, cada batimento monitorado… é uma nova camada da sua vida sendo registrada, cruzada e transformada em perfil de consumo.
• Você virou o produto.
• Seu comportamento alimenta algoritmos.
• Sua rotina é monetizada em tempo real.
E agora: você compartilhou dados em quantos momentos hoje?
Nossa campanha deste mês sobre a LGPD nos convida a refletir:
- Quantos você sabia que estavam sendo coletados — e por quem?
- Quantos desses dados você realmente autorizou usar?
- Qual momento te surpreendeu mais?
- Tem algo no seu dia a dia que não apareceu aqui, mas também envolve o uso dos seus dados?
Por isso, o direito à proteção de dados pessoais não é algo distante, técnico ou abstrato. Ele está no cotidiano, nos detalhes, no seu celular, na farmácia, no trabalho, na academia. Conhecer esse direito é parte essencial de exercê-lo. Porque a privacidade não deve ser um luxo — deve ser um princípio.
Paloma Turkot – Advogada e DPO da Tahech Advogados