O Supremo Tribunal Federal decidiu recentemente pela possibilidade de incidência de Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) quando os imóveis são conferidos ao patrimônio de sociedade empresarial.
O episódio sucedeu através do Recurso Extraordinário nº 796.376/SC, no qual um contribuinte havia constituído sociedade, transmitindo, para tanto, 17 imóveis com o valor total lançado à conta de ágio do patrimônio líquido e cerca de 33 vezes maior do que o montante que chegou a ser de fato integralizado. O requerimento consistia na dispensa do pagamento do imposto sob o valor total dos imóveis, a partir da hipótese prevista no art. 156, §2º, I, da Constituição da República:
I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.
A Suprema Corte, por sua vez, fixou através da repercussão geral nº 796 que “a imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do §2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”, negando assim a pretensão do recorrente.
A problemática deste incidente decorre de interpretação ambígua do termo “incorporação”, enunciado na Constituição por parte dos entes municipais – “não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital”. Isto, porque, algumas normas tributárias usam a mesma expressão “incorporação” para se referirem tanto à integralização de bens ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital social, quanto à incorporação entre pessoas jurídicas, duas operações distintas do Direito Societário.
Desta maneira, alguns municípios teriam margem para a cobrança de ITBI em situações que, na verdade, dizem respeito ao segundo cenário – a incorporação propriamente dita, quer seja: intervenções empresariais nas quais uma ou mais organizações são absorvidas por outra – comportamento este manifestadamente ilegítimo.
Essa acepção, inclusive, é destituída a partir de breve análise do art. 156, §2º, I da CF, que não onera as operações de transmissão inseridas à realização de capital em sociedade de bens nem operações decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, configurando duas hipóteses completamente diversas de dispensa tributária.
A fundamentação do Ministro Alexandre de Moraes também foi categórica a respeito: “é dizer, a incorporação de bens ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital, que está na primeira parte do inciso I do § 2º, do art. 156 da CF/88, não se confunde com as figuras jurídicas societárias da incorporação, fusão, cisão e extinção de pessoas jurídicas referidas na segunda parte do referido inciso I”. Erradicando assim, a hipótese de cobrança para as situações de incorporação de capital supramencionadas.
Sob à égide do voto favorável à imunidade incondicionada do Relator Ministro Marco Aurélio, também se estabeleceu a ressalva de que: “a razão de ser da imunidade – e nada surge sem causa, princípio lógico e racional do determinismo – é facilitar o trânsito jurídico de bens, considerado o ganho social decorrente do desenvolvimento nacional, objetivo fundamental da República – artigo 3º, inciso III, da Lei Maior”.
Conclui-se, portanto, que qualquer interpretação diversa a respeito do alcance da imunidade tributária do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) nas operações destacadas configura violação aos mandamentos constitucionais, passível de discordância em relação aos entes municipais.