O setor rodoviário brasileiro, além de desempenhar um papel de extrema importância para economia, é dotado de algumas peculiaridades que dificultam a operação. As distâncias e a qualidade das estradas, sem dúvidas, são algumas das mais comuns enfrentadas diariamente por operadores do setor. Outro ponto de destaque é o valor do combustível em diferentes regiões do Brasil, o que aumenta ainda mais os custos dos transportes.
Deste modo, para tentar contornar (em parte) o problema, boa parte dos veículos de carga de grande porte estão equipados com tanques de combustíveis com capacidade superior a 200 litros. Tal medida garante uma autonomia adequada, permitindo que o veículo alcance seu destino ou um ponto de parada e descanso com uma cobertura (em quilômetros) maior.
Aspectos acerca da periculosidade do transporte de combustível em caminhão vista pelo Direito do Trabalho
Entretanto, se por um lado tal medida possibilita uma melhora operacional, no Direito do Trabalho há outra discussão. Nesse caso, quanto à (in)existência de trabalho em condições perigosas para motoristas empregados que operam veículos com tanques de combustíveis com capacidade superior a 200 litros.
A regulamentação específica é a Norma Regulamentadora 16, que determina a periculosidade das operações de transporte de inflamáveis líquidos ou gasosos liquefeitos, em qualquer quantidade. A exceção é para o transporte em pequenas quantidades, até o limite de 200 litros para inflamáveis líquidos e 135 quilos para inflamáveis gasosos liquefeitos.
Porém, o item 16.6.1 da Norma Regulamentadora, incluído pela Portaria SEPRT nº 1.357, de 09 de dezembro de 2019, estabelece outra interpretação. Nela, a previsão acima não se aplica às quantidades de combustível dispostas em tanques originais de fábrica ou suplementares, desde que certificados pelo órgão competente.
Em princípio, essa inclusão parece resolver a questão. Isso porque, estabelece que as quantidades de combustíveis nos tanques do veículo, mesmo que suplementares, não configuram trabalho em condições perigosas. A perspectiva acompanha a da jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, que reconhece que as quantidades de inflamáveis nos tanques suplementares certificados não configuram periculosidade.
Entretanto, o Tribunal Superior do Trabalho, sem revisar sua posição nem observar o disposto no item 16.6.1 da NR 16, continua proferindo decisões contraditórias. Algumas decisões recentes afirmam que a utilização de tanque de combustível suplementar com capacidade superior a 200 litros enseja o pagamento do adicional de periculosidade, independentemente de ser original de fábrica ou adaptado.
Considerações
As normas regulamentadoras, estabelecidas pelo Poder Executivo, têm como propósito detalhar as disposições contidas nas leis trabalhistas. Além disso, fornecemorientações e regulamentações específicas a determinadas atividades ou setores econômicos.
Mas elas precisam estar em conformidade com a legislação vigente, especialmente com a Constituição e as leis que tratam do tema. Uma vez publicadas, as NRs passam a compor o conjunto de normas aplicáveis ao direito do trabalho, com a mesma eficácia normativa das leis. A fiscalização fica sob responsabilidade dos órgãos competentes na área trabalhista. Todos, sem exceção, devem cumprir as Normas, inclusive magistrados.
Por isso, decisões que eventualmente contrariem a referida Norma (item 16.1.1 da NR 16, especificamente), observados os critérios formais, podem/devem ser submetidas ao Supremo Tribunal Federal (STF), através do manejo de Reclamação Constitucional, nos termos do art. 103-A, §3º, da Constituição Federal, para que suas previsões prevaleçam.