Desde o julgamento do Tema 1.182 pelo STJ, ocorrido em abril de 2023, as subvenções de ICMS vêm sofrendo reiteradas modificações legislativas. Essas discussões e decisões judiciais sobre o tema estão criando oportunidades para os empresários, que fazem jus a tais benefícios, adotarem medidas para reduzirem a carga tributária.
O objetivo do presente artigo é rememorar as principais questões envolvendo o tema e, especialmente, destacar as oportunidades e estratégias que podem ser adotadas pelas empresas para mitigar a tributação.
Breve histórico sobre subvenções
A figura das subvenções pode ser tida, de maneira geral, como auxílios governamentais concedidos às empresas com o objetivo de ajudá-las na consecução de seus objetivos estatutários e impulsionar o desenvolvimento econômico e social de determinadas regiões. Inclusive, também, atende o princípio da ordem econômica, que visa, justamente, o desenvolvimento e que tem importância significativa para ordem constitucional, para que as empresas se desenvolvam e se perpetuem.
É de longa data que as subvenções incrementam o mundo empresarial, estando previstas em Normas Gerais de Direito Financeiro, na Lei 4.320/1964, como sendo “transferências destinadas a cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas”[1]. Na época, a norma tributária já disciplinava que esses valores recebidos deveriam transitar pelo resultado tributável para fins de apuração do IRPJ (Art. 44, IV, da Lei nº 4.506/64[2]).
Com advento da Lei 6.404/1976, foi determinado que as subvenções para investimento deveriam ser creditadas à conta de reserva de capital[3]. Em face disso, foi promulgado o Decreto-lei 1.598/77 que afastava da tributação as subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos concedida como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e as doações não seriam computadas na determinação do lucro real[4].
Desta forma, havia uma separação jurídico-tributária no tratamento das subvenções: (i) as subvenções para custeio ou operação, destinadas a fazer frente às despesas correntes da companhia, cuja tributação era determinada pelo Art. 44, IV, da Lei nº 4.506/64; e (ii) as subvenções para investimento, destinadas a estimular a implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, que poderiam não ser computadas no lucro real, desde que creditadas à conta de reserva de capital do patrimônio líquido e observadas as imposições previstas no Art. 38, §2º, do Decreto-Lei nº 1.598/77.
Na época, a RFB manifestou-se através do Parecer Normativo CST n. 112/78, entendendo a necessidade de cumprimento de requisitos para que fossem considerados como subvenções as isenções e reduções de tributos.
Com a edição da Lei 11.638/2007, as subvenções para investimento passaram a ser contabilizadas em contas de reserva de incentivos fiscais.[5] Na sequência, a Lei 11.941/2009[6], trouxe a exclusão das subvenções do lucro real, o que foi reafirmado pela Lei 12.973/2014, no Art. 30[7], prevendo que “as subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e as doações feitas pelo poder público não serão computadas na determinação do lucro real”.
A referida Lei 12.973/2014, que possibilitou a exclusão das subvenções para investimento da base de cálculo do IRPJ e CSLL e, também, possibilitou as empresas excluírem da base das contribuições PIS e COFINS (inciso X, §3º do Art. 1º da Lei 10.637/2002 e inciso IX do § 3º do Art. 1º da Lei 10.833/2003), foi alterada pela LC 160/2017, que veio para mitigar os efeitos da guerra fiscal entre os estados em face da concessão de diversos benefícios fiscais, por vezes, tidos como inconstitucionais, que eram tratados como subvenções para investimentos, trazendo requisitos formais para se utilizar da equiparação de benefícios de ICMS como subvenções.
A norma complementar consolidou os dispositivos relacionados às subvenções, prevendo que as subvenções para investimentos – entre as quais estão compreendidos os incentivos e os benefícios fiscais relativos ao ICMS concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal (Art. 30, §4º da Lei 12.973/2014)[8] –, reconhecidas no resultado com observância das normas contábeis, não seriam tributadas, desde que fossem registradas em reserva de lucros e utilizadas para absorção de prejuízos ou aumento do capital social, sendo expresso nessa norma a vedação de exigência de outros requisitos.
Todavia, a Secretaria da Receita Federal do Brasil, no centro do debate sobre as subvenções, se manifestou reiteradas vezes sobre o tema, construindo uma série de condições não previstas na legislação para identificação e não tributação dos benefícios de ICMS.
As premissas adotadas pela Receita, especialmente a exigência de requisitos não previstos em lei, gerou litigiosidade tributária sobre o tema na esfera administrativa, repercutindo no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) e, posteriormente, no judiciário.
Mas a celeuma não parou por aí, após a sucessão da Medida Provisória n. 1.185/2023, que foi convertida na Lei 14.789/2023, que revogou o Art. 30 da Lei 12.973/2014, prevendo a tributação do IRPJ/CSLL e PIS e COFINS, e impôs diversos requisitos para serem cumpridos e demonstrados para afastar a exigência dos tributos sobre o benefício fiscal de ICMS.
Ainda, a mesma legislação trouxe a possibilidade dos contribuintes se habilitarem para aproveitamento de crédito de IRPJ de 25%, bem como a possiblidade de autorregularização de passivos gerados pela dedução indevida das subvenções da base de cálculo do IRPJ e CSLL em períodos anteriores.
Todas estas alterações resultaram em exaustivas análises sobre o cumprimento dos requisitos para as deduções, até então realizadas, bem como com relação às alternativas disponíveis para reduzir o impacto de aumento de carga tributária a partir da entrada em vigor da Lei 14.789/2023, conforme será melhor abordado nos próximos tópicos.
Das discussões no judiciário
Decorrente das alterações trazidas pela Lei 14.789/2023, que não faz distinção entre as subvenções e determina a incidência de IRPJ e CSLL sobre todas as espécies de subvenções, vários contribuintes judicializaram a questão para verem respeitado o entendimento firmado pelo STJ no julgamento do EREsp 1.517.492/PR, ocorrido e 2016, em que o Superior Tribunal de Justiça entendeu pela não incidência de IRPJ e CSLL sobre o crédito presumido de ICMS e afastou os requisitos exigidos pelo Art. 30 da Lei 12.973/2014, de forma favorável aos contribuintes.
Sobre este tema, já há decisões liminares favoráveis aos contribuintes, afastando a previsão da norma e possibilitando a manutenção das exclusões dos benefícios fiscais da base de cálculo IRPJ/CSLL (e, também, do PIS/COFINS), o que traz economia tributária significativa para as empresas. É o caso de um processo conduzido pelo escritório Tahech Advogados, no qual, através de uma decisão liminar, a Justiça Federal do TRF da 4ª Região garantiu o direito de uma indústria de embalagens a não submeter benefícios fiscais de ICMS (créditos presumidos) à tributação do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, afastando a aplicação da norma.
A discussão não parou por aí: além dos créditos presumidos de ICMS, também existem novas judicializações sobre a não Incidência de IRPJ e CSLL sobre os demais benefícios fiscais de ICMS (redução de alíquota, redução de base de cálculo, diferimento, dentre outros), discussões estas decorrentes das alterações trazidas pela Lei 14.789/2023. Tomando frente nesta discussão, a Confederação Nacional da Indústria – CNI, propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade 7604, que tramita sob relatoria do Ministro Nunes Marques, segundo a Confederação, a nova lei viola o princípio do pacto federativo e faz com que a União abocanhe parte do benefício concedido pelos Estados.
Outrossim, também há possibilidade de discussão referente ao Tema 843 do STF, que visa a apreciação sob a ótica das contribuições, referente a possibilidade de exclusão da base de cálculo do PIS e da COFINS dos valores correspondentes a créditos presumidos de ICMS decorrentes de incentivos fiscais concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal, a qual também está pendente de julgamento.
Das possibilidades na via administrativa
Crédito de 25% sobre Subvenções de investimento
Em contrapartida a revogação do Art. 30 da Lei nº 12.873/2014, a Lei 14.789/2023 trouxe a possibilidade de utilização de “crédito fiscal”, o qual corresponderá à alíquota do IRPJ (25%), sobre as receitas de subvenção do período, decorrentes de implantação ou expansão do empreendimento econômico subvencionado pelo ente federativo.
Destaca-se que o crédito fiscal não é aplicável às subvenções vistas como para custeio, concedidas para pagar os custos das operações da empresa, sem contrapartida do contribuinte. Assim, nem todos os incentivos fiscais de ICMS gerarão crédito fiscal, uma vez que a lei passou a exigir para classificação do incentivo fiscal como “subvenção para investimento” que este seja concedido por entidades federativas expressamente para a implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.
Ainda, um aspecto que chama a atenção é que a Lei nº 14.789/2023 não faz distinção entre as diversas espécies de subvenção (crédito presumido, redução de alíquota, redução da base de cálculo etc.), levando a crer que o crédito presumido de ICMS está compreendido pela medida. Ou seja, em desacordo com o posicionamento do STJ, ponto que reforça a judicialização, conforme exposto anteriormente.
Para que os contribuintes possam utilizar ao crédito fiscal, há, na lei, diversos requisitos a serem observados, sendo necessária a habilitação na RFB dos incentivos tidos como subvenções. Para aproveitamento do crédito de forma mais eficiente e adequada às exigências da norma, é essencial o acompanhamento por profissional com expertise na questão.
Autorregularização/Transação dos débitos com até 80% de desconto
Noutro ponto, aos contribuintes que entendem que deduziram indevidamente as subvenções da base de cálculo do IRPJ e CSLL até 31/12/2023, é possível aderir a autorregularização que dispõe a Lei 14.789/2023, seja de acordo com a Instrução Normativa 2184/2024, para os casos de débitos ainda não declarados ou nos casos em que já há contencioso em âmbito administrativo ou judicial, conforme Edital 04/2024 da PGFN e SERFB.
Autorregularização Incentivada
Segundo a Instrução 2.184/2024, caso os contribuintes entendam que deduziram as subvenções das bases do IRPJ e CSLL em desacordo com o artigo 30 da lei nº 12.973/2014, poderão aderir à autorregularização dos débitos vencidos até 29/12/2023, com desconto de:
I – 80% sobre o valor da dívida consolidada, para pagamento em até 12 parcelas;
II – Pagamento de entrada de 5%, divididas em 5 parcelas à título de entrada e mais: i – 60 parcelas, com 50% de desconto ou, 84 parcelas, com 35% de desconto.
Os prazos para adesão findam em 31/05/2024, para competências até 31/12/2022 e 31/07/2024, para fatos geradores ocorridos em 2023.
Transação de Contencioso Tributário
Conforme previsão do Edital 04/2024 da PGFN, poderão ser incluídos na transação débitos inscritos em dívida ativa, ou em discussão judicial ou administrativa pendentes de julgamento definitivo até 31/05/2024.
Os descontos previstos são os mesmos da autorregualização incentivada, ou seja:
I – 80% sobre o valor da dívida consolidada, para pagamento em até 12 parcelas;
II – Pagamento de entrada de 5%, divididas em 5 parcelas à título de entrada e mais: i – 60 parcelas, com 50% de desconto ou, 84 parcelas, com 35% de desconto.
O prazo limite para adesão à transação é 28/06/2024, às 19h.
Ainda, consigna-se que a adesão a transação implicará na renúncia das discussões, seja na esfera administrativa ou judicial.
Conclusão
O cenário tributário relativo às subvenções é vasto e desafiador. Os contribuintes devem avaliar, especialmente, junto a profissional com expertise, a melhor medida para mitigar a carga tributária no contexto das subvenções para investimento. Para as empresas ficarem inertes frente ao novo cenário e não tomarem as medidas adequadas no momento oportuno, possivelmente terão carga tributária mais elevada frente aos contribuintes que se anteciparam, resultando em perda de competitividade. A depender das especificidades dos benefícios e de cada empresa, a melhor medida pode ser aderir a transações com reduções significativas, ou ingressar com discussões na via judicial em busca de uma economia tributária que será determinante como diferencial competitivo.
Autores:
- Alexandre Galvão da Silva
Advogado da Área Tributária da Tahech Advogados;
Bacharel em Direito;
Especialista em Processo Civil.
- Marcos Vinicius Martins do Nascimento
Advogado da Área Tributária da Tahech Advogados;
Bacharel em Direito;
Pós-graduando em Contabilidade e Planejamento Tributário;
Pós-graduando em Direito Processual Civil.
- Luiza Dias Teixeira
Advogada da Área Tributária da Tahech Advogados
Bacharel em Direito
Notas
¹ Art. 12 (…) § 2º Classificam-se como Transferências Correntes as dotações para despesas as quais não corresponda contraprestação direta em bens ou serviços, inclusive para contribuições e subvenções destinadas a atender à manutenção de outras entidades de direito público ou privado.
§ 3º Consideram-se subvenções, para os efeitos desta lei, as transferências destinadas a cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas, distinguindo-se como:
I – subvenções sociais, as que se destinem a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou cultural, sem finalidade lucrativa;
II – subvenções econômicas, as que se destinem a empresas públicas ou privadas de caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril.
² Lei 4.506/1964.
Art. 44. Integram a receita bruta operacional: (…) IV – As subvenções correntes, para custeio ou operação, recebidas de pessoas jurídicas de direito público ou privado, ou de pessoas naturais.
³ Art. 182, §1º, “c” da Lei 6.404/1976.
⁴ Art. 38 – Não serão computadas na determinação do lucro real as importâncias, creditadas a reservas de capital, que o contribuinte com a forma de companhia receber dos subscritores de valores mobiliários de sua emissão a título de: (…) § 2º – As subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos concedida como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e as doações não serão computadas na determinação do lucro real, desde que: a) registradas como reserva de capital, que somente poderá ser utilizada para absorver prejuízos ou ser incorporada ao capital social, observado o disposto no artigo 36 e seus parágrafos; ou
⁵ Art. 195-A da Lei 6.404/1976.
⁶ Art. 18. Para fins de aplicação do disposto nos arts. 15 a 17 desta Lei às subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, e às doações, feitas pelo Poder Público, a que se refere o art. 38 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977, a pessoa jurídica deverá: (…)
II – excluir do Livro de Apuração do Lucro Real o valor decorrente de doações ou subvenções governamentais para investimentos, reconhecido no exercício, para fins de apuração do lucro real;
III – manter em reserva de lucros a que se refere o art. 195-A da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, a parcela decorrente de doações ou subvenções governamentais, apurada até o limite do lucro líquido do exercício;
⁷ Art. 30. As subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e as doações feitas pelo poder público não serão computadas na determinação do lucro real, desde que seja registrada em reserva de lucros a que se refere o art. 195-A da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que somente poderá ser utilizada para:
⁸ Art. 30. (…) § 4º Os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao imposto previsto no inciso II do caput do art. 155 da Constituição Federal, concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal, são considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos neste artigo. (Incluído pela Lei Complementar nº 160, de 2017) (Revogado pela Medida Provisória nº 1.185, de 2023) (Revogado Lei nº 14.789, de 2023) (Produção de efeitos)